Anna Liz
Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando n
Textos
SOBRE RETALHOS DE LIZ DE ANNA LIZ
A leitura exige coragem. A ousadia para se ler um texto é muito maior do que a ousadia que se precisa para escrevê-lo. O poeta mente, finge, dissimula. Ele fala pela voz de um outro eu fictício. Mesmo que essa outra persona possa proporcionar ao escritor a palpabilidade do que nele é desconhecido, a meta máxima de qualquer poeta é a pura e completa invenção. Diferentemente do que acontece com o leitor. A leitura é o enfrentamento direto do leitor contra o seu próprio medo, a sua própria angústia. É o leitor contra ele mesmo, desarmado. O canto do poeta se dissolve, surgindo um modo-ser-universal. Universal, porque ele busca a profundidade do sujeito existente, levando esse sujeito a contemplar a face do seu próprio enigma que ele tenta acobertar com falsos rótulos. Enquanto o poeta cria, inventa, fantasia, o leitor também o faz, mas na totalidade de quem evoca para si. O poeta fala pelos túneis externo da coletividade, o leitor​ lamenta pelas grutas de sua profundidade desconhecida. Retalhos de Liz, a nova obra da grande escritora Anna Liz, é um contundente convite aos corajosos. Repleta de conflitos, angústias, desequilíbrios e tensão, o canto da Anna nos leva para o verdadeiro campo poético da voz lírica. A principal linha que conduz o trabalho da nossa poeta é a contradição entre aquilo que chamo de ser poético e o ser impessoal. Este último, é a mulher presa à rotina de uma vida repetitiva, presa aos rótulos produzidos pela cultura de uma sociedade patriarcal, pelos clichês, pela banalidade regida por valores dominantes de seu tempo, presa a um cotidiano infértil. Já o ser poético, é esse espírito que procura a sua própria essência, busca a sua face verdadeira, reiventa as fronteiras de sua alma, se esforça para criar a atmosfera da magia poética que o estilo de vida hegemônico de seu período tende a apagar. A poética da Anna Liz é a do combate para afirmar o alumbramento da vida nesse modo opaco de vivê-la propagado pelo nosso sistema dominante.  A sua poesia é o último suspiro antes da morte absoluta. É a última saída no momento limite. Quando já não suporta o farto dos rótulos, o mesmo sempre, a mesma tarefa, como Sísifo. Entretanto, ela  reiventa, com seu trabalho poético, um novo infinito para seu corpo se alargar, a sua poesia é extensão da sua alma para até onde ela não pode alcançar. Quando não existe mais para​ o de ir, a Anna cria uma porta, e é esse  o verdadeiro exercício do grande poeta. Da descrença na vida, Anna cria seus próprios deuses, constrói os seus templos e reza a sua própria oração. A poética da nossa escritora é um convite a todas as ausências que a vida acarreta - o amor não correspondido, um cotidiano sem sentido, um viver sem respaldo -, sem o juramento que essas faltas serão preenchidas, mas com a certeza que mergulharemos na recriação da energia que palpita nos fenômeno crepusculares da existência refletidos em uma realidade condensada das falas primordiais. São as angústias da vida ganhando transparência com a lente turvada e misteriosa da poesia. Nesse recriar dos eventos ordinários, Anna encontra o seu próprio símbolo de resistência, a inapreensível representação da esperança. Que ora se personifica na imagem de uma mulher que jura não mais sofrer, como se pode observar no poema IX: "mas a mulher/ essa mulher que pulsa em mim/ não!/não se permite mais sofrer..." Ora, uma menina que dorme, como podemos vê nesse trecho do poema Para além: "bem longe de mim/ no berço de uma cidadezinha/ dorme tranquila uma menina..."
Em suma, a poesia da Anna Liz é essa linguagem que descreve, em imagens metafóricas, a geografia do seu Eu imerso em uma mar de angústias, de fartos quase insustentáveis, de uma rotina intragável, de amores ausentes, de saudades do que ainda não se viveu, ou do que não se teve coragem de viver, de incertezas e fraquezas; mas é também um instrumento que recria o próprio significado de persistir, que inventa personagem/símbolo da esperança, desocultando-os dessa própria realidade descrente.
       Marcelo Henrique Sousa - estudante de filosofia/UFMA e escritor
Marcelo Henrique Sousa - escritor
Enviado por Anna Liz em 29/07/2018
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