Anna Liz
Sou feita de retalhos. Pedacinhos coloridos de cada vida que passa pela minha e que vou costurando n
Textos

 

A poesia de Paulo Rodrigues traz uma veia política muito necessária nestes tempos em que o negacionismo e os impulsos fascistas vêm se incorporando na rotina do país. Nada menos que isso podia se esperar de um poeta com seu perfil. 

Refletir na palavra escrita (na poesia) tudo que a gente vivencia na experiência social e política é sim papel daquele (a) que se propõe a escrever. O poeta tem que estar ao lado da liberdade. A arte/a escrita é expressão de liberdade.

Cinelândia, o livro mais recente de Paulo Rodrigues talvez não seja o filme a que queremos assistir, mas é, com certeza, o filme ao qual precisamos assistir. 

 

 O operador bate a claquete, o espetáculo da vida vai começar:

 

Claquete

 

"precisamos fundar

um planeta!

 

não construiremos casas

e não deixaremos morrer de frio os miseráveis"

                       (Missiva, p. 22)

 

"não há palavras

que devolvam a vida

ao corpo precário".

                   (Antirrealismo, p. 23)

 

"A vida já não precisa

pedir descontos:

madrugar nos mercados,

esconder-se da fome.

                   (Marcha, p. 24) 

 

Cena 1

 

"quando eu disser não,

é não."

                  (Maria da Penha ou Isabelle Adjanir, p. 30)

 

"os homens precisam comer,

os meninos enxugam as lágrimas,

as moças vão florescer 

 

vida e morte, na mesma pele.”

                   (A felicidade não se compra, p. 35)

 

“a vida é uma bandeira vermelha

balançando na minha cara”

                (Bem-aventurados os que sangram, p. 37)

 

Cena 2 

 

“...a fome é um álbum sempre aberto”

              (Carta ao metalúrgico, p. 45)

 

“as flechas de São Sebastião 

não sabem perdoar”

               (O sangue desce, p. 49)

 

“um mês de sol e despejo.

a calçada não tem assistência;

não embala o sonho

da manhã.”

             (A vida não suporta epitáfios, p. 51)

 

The end

 

“ os filhos olham a escada

há uma lesão na luz,

de todos eles”

            (As manhãs não têm ofertas, nem promoção, p. 61)

 

“só havia o sal, caiu no chão

e o garçom com a conta

trazendo uma rosa na mão”

            (Graffiti, p. 68)

 

 A fome, a miséria, o abuso, a violência, o descaso, as mazelas, o sub-humano, a decadência... mas também a esperança na voz, na força, na história do operário porque, apesar de tudo isso, “amanhã há de ser um outro dia” (Chico Buarque) e “Avoante ainda romperá o degredo” (Paulo Rodrigues).

 Um livro de poesia de um poeta do potencial de Paulo Rodrigues, publicado em plena pandemia, não só sanitária, como também de negacionismo científico, cumpre com categoria o papel literário de refletir politicamente a realidade. Afinal, se aqueles que têm o poder da palavra na mão se acovardarem diante do fascismo, a democracia brasileira terá pouca ou nenhuma chance de se consolidar.

 O poeta que deseja exercer o seu direito de criar (produzir) livremente, precisa posicionar-se a favor da democracia e instigar o debate nacional.

 Que as luzes não se apaguem e que o espetáculo continue sob outra perspectiva – a perspectiva com que sonha o poeta. Salve, Paulo! 

 

                                                                                                       (Anna Liz – poeta, cronista, presidente da AJEB/MA)

Anna Liz
Enviado por Anna Liz em 31/01/2022
Alterado em 31/01/2022
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