UMA LÁGRMA QUE NÃO ROLOU
Um fio de lágrimas correu-lhe pelo rosto. Foi só. Aquela despedida mediu todas as suas esperas. Não há necessidade de perdão, tudo foi desespero. Durante muitos anos, quis provar para si que estava viva, inventou um amor, acreditava que esse sentimento poderia lhe avizinhar alguém. Mas a vida não tem segunda via e nem todo pecado é confessável. Não se pode passar a vida toda persistindo em enganos. Não há nada para esclarecer, o único mal-entendido foi a persistência.
Ela pensa sobre isso no quarto onde, tantas vezes, sonhou com um amor que chegaria sem aviso. Quis sentir pena de si mesma, mas não tinha mais tempo para autopiedade.
SEM MALAS E SEM SAPATOS
Um vento veio das árvores, trazendo um som sibilar: era um jovem que surgia entre a folhagem. E ela, que nunca teve malas e preferia os pés descalços, estava sentada na grama, pensando no passado, agora sem mágoas. Aquele som a confortava e não havia explicação, valia mais a pena que uma mala e um sapato apertado, afinal a estrada pode ser longa.
CONTRASTES DA VIDA A DOIS
Nas tardes escaldantes, enquanto ela passava quatro horas numa sala de aula com mais de quarenta alunos, sem um ventilador ou outro tipo de refrescância, falando até ficar rouca e quase desmaiando de tanto suar, ele aproveitava o conforto do quarto refrigerado com a amante, ficando também rouco e suado. Mas de tantos gemidos e gestos intensos.
A MULHER PERFEITA
Analu era uma mulher boa, caridosa, propensa a amizades profundas, era reta, rigorosa em seus atos de decoro. Uma mulher – modelo de polidez.
Era boa mãe, excelente esposa, doada, prestativa, sempre à disposição – a mulher do lar. Seu esposo não sonhava outra companheira, pois essa lhe era perfeita.
Além de tudo isso, ela era religiosa, dada às devoções. No entanto, morava em um povoado onde não havia igreja, nem sequer uma capela. Por isso, uma vez por mês, essa santa mulher precisava abrir mão do aconchego familiar, do cuidado com o cônjuge e com os filhos para peregrinar até a distante cidade, sacrificando dois longos dias, afinal precisava rezar e fortalecer sua fé.
Chegando à cidade, ela cumpria todas as suas obrigações religiosas na imensa igreja matriz, depois ia dedicar-se a sua maior devoção: deitar-se, lambuzar-se, fazer muita sujeira, durante a noite inteira, com todos os homens e mulheres presentes no “Bar da Luzia”.
Ao amanhecer, Analu já estava em casa, linda, reta, educada e feliz para cumprir seu papel rotineiro.
FEEDBACK
Era noite, a luz da lua banhava a rua e a sua face, era mais uma noite em que esperava o marido, agora sem expectativas. Já vinha assim há um tempo, não idealizava mais o casamento, nem se sentia mais esposa. Então, namorou a lua, bebeu a sua luz com demora em suaves beijos e sentiu o doce sabor da vingança.
OBRE A AUTORA – Anna Liz, maranhense de Santa Luzia, professora, escritora, mestre em Língua Portuguesa. Tem participação em várias antologias lançadas no Brasil e em diversos outros países, além de já ter publicado oito livros solo. Organizou duas antologias com obras de 25 escritoras maranhenses. Membro correspondente da Academia Ludovicense de Letras. Atualmente, é presidente/coordenadora da Associação de Jornalistas e Escritoras Brasileiras, coordenadoria Maranhão/AJEB-MA.
Instagram: @anna_elizandra
UM CONTO AOS DOMINGOS - #040 - CONTOS DIVERSOS (Anna Liz) - Região Tocantina